domingo, agosto 29, 2004

Dobrar o cabo

Amanhã completo trinta translacções a bordo da nave Terra. O tempo tem variadíssimas dimensões, tantas quantas as percepções dos milhões de seres que dele têm alguma consciência.
Eu sou mais um. E para mim foi rápido.

Trinta anos. Bolas, é esmagador. Três décadas de amor, desgosto, algum ódio, alguma paixão, alguns medos, algumas alegrias, algumas amizades, algumas desilusões, alguma poesia, alguma aventura, muitas surpresas. Sempre.

Quando dobro este cabo, sinto que na outra costa, a que, quer queira quer não, deixo para trás, fica muita gente. Alguns queridos companheiros que ficaram na praia, uns que chegaram ao seu porto, outros que nem por isso. Um pouco de mim ficou com todos eles. Mas, mais importante, um pouco deles segue comigo nesta viagem. Para a outra costa, para o outro lado da lua, o lado iluminado.

Navego sem carta, confiando somente na orientação dos astros que são também os companheiros de viagem. Uns mais brilhantes que os outros, mas todos com o seu lugar no novo céu que agora despe a película nebulosa da madrugada.

Está uma manhã soalheira. Abro as portas e janelas do peito ao ar salgado. Já se vê a terra nova.

sábado, agosto 28, 2004

Abortem este governo

Hoje é um dia especial para mim, um dia de luto e reflexão. Como tal, nem sequer vinha aqui escrever nada. Mas (e há sempre um "mas"), a indignação e o nojo obrigam-me a vir aqui vomitar um protesto contra a corja de nazis incompetentes que temos a governar-nos.

Estes senhores proibiram a entrada do "Borndeep", o barco da associação "Women on Waves", em Portugal.

Este navio, como sabem, é uma espécie de hospital ambulante que procede a abortos seguros e medicamente assistidos em águas internacionais, ajudando mulheres de países com legislações medievais como o nosso, que criminalizam o aborto.

Esclareço um ponto: Não sou a favor do aborto. Mas ninguém é a favor do aborto. Sou, isso sim, a favor da despenalização do aborto. E digo isto porque a franja da sociedade portuguesa que estigmatiza as mulheres que abortam gosta dessa confusão. "Somos a favor da vida e contra o aborto", dizem. Mas quem não é? E são a favor da vida das mulheres que todos os anos morrem em consequência de abortos clandestinos? E quantas das senhoras "de bem" que dizem isto não foram já a Londres ou Madrid "de férias"?

Enfim, à parte desta discussão que não é nova, está a proibição da entrada em Portugal de uma embarcação com pavilhão de um país da União Europeia. Os argumentos? Saúde pública (que a lei que criminaliza o aborto viola ao enviar muitas mulheres para apartamentos e caves sem condições para executar abortos clandestinos) e a ordem pública, pois temiam problemas e confrontos à chegada do barco a portos nacionais.

Essa lógica da ordem pública deve ser a mesma que durante quase meio-século proibiu manifestações em Portugal.

Ah, e infrigem directivas da União Europeia. Pelos vistos, os criminosos são os senhores Portas e Lopes.

Afinal menti. Sou a favor do aborto. Por favor, abortem este governo.

sexta-feira, agosto 27, 2004

Antigo, sim

Ia responder com mero um comentário, mas dada a veemência de algumas respostas "promovi" a coisa a um post.

Estou verdadeiramente desiludido. Se os meus amigos lerem novamente o post intitulado "o mais antigo desporto do mundo", vão perceber que está encharcado em I-R-O-N-I-A. Um conceito que me é quase tão grato como o S-A-R-C-A-S-M-O. E isto porque sou um cínico, talvez?

Mas, refira-se, acredito mesmo na quase inevitabilidade do tal "adultério" (palavra tão forte que chega a parecer uma obscenidade, nas talvez a intenção seja mesmo essa).

Em suma, se isto fosse um teste, bem...eis os resultados

Sydney, admiro o teu raciocínio e perdoo a precipitação do teu juízo já que não me conheces assim tão bem para perceber a tal ironia. Nota: 9 (com possibilidade de exame em Setembro)

Susana, vejo que não perdeste ainda todo o sentido crítico. Acertaste em todos os pontos que queria frisar e ainda tocaste num ditado muito apropriado que quero desenvolver a seguir. E tens razão, se há amor a sério... Nota 16

Hugo e Paula, caros amigos, muito lestos a atirar os pedregulhos, né? Se no caso da Sydney ela nem me conhece bem e por isso lhe perdoo o erro e o raiocínio dela é bem interessante, no vosso caso...bem, Nota 0,0 para os dois.

Sim, aquele post era também um teste. Vesti a pele de Maria Madalena. Pequena lição de catequese: Maria Madalena era uma senhora de "reputação duvidosa" que ia ser apedrejada quando J.C. (vulgo Messias) passou na sua aldeia. Confrontado com aquela situação, o senhor (em caixa alta se preferirem) disse apenas:

"QUEM NUNCA PECOU QUE ATIRE A PRIMEIRA PEDRA"

E, como toda a gente sabe, e era um dos pontos que eu quis advogar, só não pecou quem não viveu.

quinta-feira, agosto 26, 2004

O mais antigo desporto do mundo

É o mais antigo desporto do mundo. Implica corrida de velocidade, de fundo e meio-fundo, salto em altura da janela dos fundos, pugilato, luta artística em lençóis, tiro (se a coisa correr mal), natação (depende do cenário), além de complexos exercícios de táctica, estratégia, disfarce e (des)ilusão.

Falo-vos do adultério. Quase toda a gente já praticou este antigo e popular desporto de massas. E quem não o praticou vai, quase de certeza, praticar ou conhece alguém que já o experimentou, corre o risco de experimentar ou até que é um profissional olímpico (a proposta para modalidade de apresentação em Pequim 2008 já está em estudo).

Pronto, aqui se levantam as vozes indignadas de todos os meus leitores e leitoras. Bem, de quase todos. Ok, existe o amor e a fidelidade e isso tudo mas, amigos, é só uma questão de tempo.

É certo que falo contra a minha experiência, já que nunca pratiquei tal actividade. Bem, mais ou menos...hmmm...ok, nunca enganei nenhuma namorada, vamos dizer assim. É certo que uma vez ou outra surgiu a oportunidade de me inscrever numa das provas de adultério olímpico, mas sempre optei pela saída mais fácil, ou seja, acabei com a namorada para não a enganar. Limpinho, né? Honesto, certo? Errado.

Porque é que temos de magoar desnecessariamente a pessoa com quem estamos por causa de algo que, na maior parte das vezes, não passa de "desporto"? Exactamente, salto em altura da janela das traseiras, luta artística nos lençóis, ah...malabarismo com o registo do cartão de crédito (apenas para amadores, pois na alta-competição usa-se dinheiro vivo, "cash", espécimen"...vocês sabem o que eu quero dizer).

A monogamia é uma bela realidade, ok, não estou a dizer o contrário, mas para manter a saúde de uma relação, temos de, de vez e quando, saltar a cerca, certo? Certo...bem, quase.

Como quase os desportos ou medicamentos (porque o adultério pode ser terapêutico), há contra-indicações:

a) Nunca brincar com isto num momento em que a relação está fragilizada

b) Nunca o fazer com amigos do casal

c) Nunca, mas nunca o fazer se ainda não se sabe distinguir sexo de amor

E FINALMENTE, A MAIS IMPORTANTE:

d) Nunca o fazer se se ama a pessoa com quem se está. Perceberam? Mas também, quem é que acredita nisso do amor, né?

Férias

Férias. Uma palavra que normalmente se traduz em destinos mais ou menos exóticos, quartos de hotel, monumentos, viagens, aviões, comboios, carros e afins. Em suma, movimento.

Pois, mas não desta vez. Estas férias, para este gajo, significam estar perto de casa, acordar cedo, ir ao café da esquina, fazer compras no supermercado da vizinhança, estar com os amigos ou simplesmente estar, ou seja, o contrário de ir.

É que de há alguns anos para cá, o meu trabalho obriga-me a fazer tudo aquilo descrito no primeiro parágrafo. E férias deveria significar o contrário da rotina de trabalho, porque mesmo quando essa rotina parece excitante para o comum dos mortais , acreditem, pode ser rotina.

Ou seja, estou por cá. E sem dor de dentes :)))

sábado, agosto 21, 2004

Home sweet home

"I'm baaack!" Uff! Depois de uma semana a aturar a birra do Del Neri e a escavar no passado de Trapattoni, eis-me de volta a casa. Digo-vos, há sensações muito boas nesta vida, mas aquele momento qem que o avião toca com todas as rodas no asfalto da pista da Portela...inigualável.

Ok, viajar é bom e tal, e desde que comecei a trabalhar para a revista (DEZ aos sábados com o Record, comprem!) posso gerir melhor o tempo e até, imagine-se, fazer algum turismo. Mas amigos, é trabalho, nunca é a mesma coisa.

E depois, vamos confessar, adoro o meu país, as minhas coisas, este ar atlântico, esta atmosfera meio celto-romano-árabe que nos faz únicos.

E é por isso que me irrito tanto com ele e com o que poderia ser de bom se não tivesse tanto de tão mau. Mas enfim, depois acusam-me de querer mudar o Mundo. Sim, mas um bocadinho de cada vez. E este bocadinho de Europa era um bom princípio.

Enfim, estou de volta. Por pouco tempo, já ouvi dizer. Mas ainda tenho uma semanita de férias para estar aqui. E começo a gostar muito de aqui estar. Só isso.

quinta-feira, agosto 19, 2004

Sexo e ovos mexidos

Quando me falam de hotéis, há duas coisas que me ocorrem imediatamente num exercício de livre associação que gostaria que comentassem: sexo e ovos mexidos.

Uma associação que não é assim tão disparatada, já que ambos são húmidos e saborosos. Ok, mas só os ovos mexidos são amarelos, eu sei. Se acham que não, então vão ao médico...rapidamente.

Não, a verdadeira razão para esta associação é que sexo e ovos mexidos são duas coisas que habitualmente só consumo em hotéis. Ok, nos bancos de trás de carros também (e nos da frente, já agora). O sexo, os ovos não que me deixam nódoas nos estofos. Pois, o sexo também, mas são mais fáceis de limpar. Acho.

Estão a ver? já estou baralhado. Tanta coisa em comum como é que não
hei-de os associar?

A verdade é que este post está viciado à partida. É que estou num hotel há três dias e enquanto bato nestas teclas, dois moços, um moço e uma moça, já agora, estão a fazê-lo no quarto ao lado. Sexo, não ovos mexidos.

Como é que sei isto? É difícil não o saber. Mais, pagava para não o saber, mas pagava muito mais para não os ouvir.

Como qualquer homem que se preze, sou burro. Asinino e inseguro. E gosto de saber que a miúda que está comigo não preferia estar a fazer qualquer coisa de mais interessante como ver a programação da manhã da RTP ou verniz das unhas a secar. Sim, gosto que suspirem, que gemam, que gritem até um pouco,admito. A subtileza não é o nosso forte.

Agora, coisa bem diferente é estar perto de um matadouro em actividade. E a senhora urra que nem uma desalmada, Ok?! É uma coisa impressionante. Vim para o quarto depois de um dia de trabalho, esperando relaxar um bocadinho e ler enquanto espero pelo jantar e sou assaltado por uma sinfonia de urros.

Sexo e ovos mexidos. Ambos são húmidos, saborosos e pouco elegantes. É um facto: dois seres humanos no auge da paixão não são nunca uma coisa elegante. Há suor, esforço, respiração ofegante e desordenada, fluidos corporais em abundância e em trajectórias imprevistas e imprevisíveis. O sexo é caótico. Tal como os ovos mexidos.

Estão a ver? Uma associação simples. Bem, enquanto estava concentrado a fazer esta bela análise, os senhores acabaram.

Mas ainda falta uma hora e tal para o jantar e estou com apetite. Será que o serviço de quartos me arranja uns ovos mexidos?

terça-feira, agosto 17, 2004

Cine Citá

Bene, esta é uma estreia, o meu primeiro post "estrangeiro". Escrevo-vos de Itália, de Milão mais precisamente, para onde me desloquei em trabalho durante uma semanita. Sim, anocas, o tal café terá que esperar mais um pouco.

Mas tirando a conversa fiada, que hoje já estou farto de escrever, queria apenas deixar um curtíssimo pensamento, melhor, uma descoberta:

Amigos, os itallianos são apenas portugueses com "soldi", qiue é como quem diz na língua de Petrarca, dinheiro, massa, tostanito.

Ok, as italianas (ou italianos, conforme os gostos) são muito atraentes e tal. Mas apenas alguns exemplares que foram bafejados com genes do Norte e Leste da Europa e que são altos e de olhos verdes e tal. Mas, vendo bem, também temos exemplares desses portanto, insisto: o povo italiano é apenas uma versão novo-rica dos portugueses.

É claro que são pobres quando comparados aos alemães e aos suecos, mas têm uma coisa: um talento latino para gastar o dinheiro. Tratam-se bem, vestem bem, comem bem, vivem bem.

Bolas, quanto mais venho a este país mais me convenço: para o bem e para o mal, é o que temos de mais parecido com o velho "Portogallo" e o único país da Europa que conheço (e já são uns poucos) onde era capaz de viver. Viva a Itália.

PS: Desculpem a superficialidade do texto, mas é um desabafo mal parido num dia em que já não consigo arrancar melhor da carola. Beijinhos e até ao meu regresso.

quinta-feira, agosto 12, 2004

Bem-vinda

Apesar de nunca termos sido formalmente apresentados, gostaria de anotar a presença da elefanta mais leve do mundo virtual.

Bem-vinda ao meu mundo, Sidney

Só para ti

Quero aproveitar este espaço para dar uma resposta personalizada. Cá vai, só para ti:

Cara amiga, apesar das sempre citadas confusões que abalaram a nossa existência comum, gostaria de te lembrar que, apesar de tudo, e das mudanças próprias da vida, uma coisa se mantém inalterada: a minha propensão para o oito ou oitenta, o rosa e o negro. Nunca fui homem de meios-termos nem de neutros. Compreendo a tua intenção e sei que foi boa. Mas apesar de tudo aquilo que nos une (ainda?), convém lembrar que é essa minha incapacidade de ser "neutro" que nos separa. Mas, minha querida, não te preocupes, pois eu já aprendi a respeitar isso em ti. Agora tens tu de "perdoar" o contrário em mim.

E eu sei que já te disse, mas não mudava uma palavra. Hoje.

quarta-feira, agosto 11, 2004

O sorriso sem memória

Eu tento esquecer. A dor, não o sorriso, a ternura, a alegria contagiante maior que a própria vida, tão curta.

Eu tento esquecer. A dor. Mas como esquecer quando acordo ao som do choro da mãe? A tua, a nossa. Quando o choro se propaga, qual manada ferida pelas paredes da casa? A casa de onde quero fugir, pois já não é casa mas túmulo?

Eu tento esquecer. A dor. Mas hoje é o dia em que nasceste, o dia em que os gritos de dor de tua mãe, que é a minha, anunciavam a tua chegada e não a dor da tua partida.

Eu tento esquecer. A dor. Mas as tuas fotos cercam-me, esmagadoras. O teu sorriso assombra-me. E eu gosto dele. Adoro a memória do teu riso malandro de criança que nunca envelhecerá. . Adoro a tua voz que quase fugiu da minha memória, como uma pegada que a maré está prestes a roubar, uma onda de cada vez.

Eu tento esquecer. Hoje fui comer com os meus amigos, com os amigos que são os teus. Não importa onde estejas, serão sempre os teus amigos. Levantámos os copos em tua memória. Muitas vezes. Tantas que agora sou obrigado a corrigir cada palavra que escrevo. Mas não importa. É que de outra maneira não conseguia. Custa muito. Custa nunca mais ver o teu sorriso malandro nem ouvir a tua voz dizer "mano". Nunca mais ninguém me chamará "mano".

A nossa mãe grita. E eu também, cá dentro. Silencioso. Mal afogado numa garrafa de tinto caro. Tenho saudades, mano. Nunca mais vejo o teu sorriso.

terça-feira, agosto 10, 2004

Feriado encarnado

Hoje tenho de vos privar de uma das habituais pérolas de sabedoria com que encho estas páginas. É que joga o Benfica e tenho de vestir a camisola e saltar para cima da mesa aos gritos: GOLLLLLO!!!

segunda-feira, agosto 09, 2004

Ponto cruz

Ela estendeu-lhe o quadro. "Leva isto. Assim como assim é para deitar fora". A moldura não era grande mas ele já tinha um caixote nos braços e não podia aceitar, por isso eu agarrei o pequeno quadrado. Acho que antes de o fazer já sabia o que era, mas, mesmo assim, fi-lo, e quando olhei para o que estava emoldurado arrependi-me de imediato. "Amo-te Rui", eram as palavras desenhadas a azul bebé em ponto cruz.

Era uma recordação de tempos idos. A data, qualquer coisa de 1995, não deixava margem para dúvidas e ali estava, como uma recordação de um amor e certidão de óbito do mesmo. Um documento redigido a ponto cruz, para a posteridade.

Continuei a ajudar a levar as coisas da casa que em tempos ambos habitaram, mas com um luto estranho que era por eles e por mim. Não foi a primeira vez que ajudei o meu amigo a levar a cabo esta triste tarefa, mas entristece-me sempre; é como levar os objectos de um morto, escolher e separar a triste herança de uma relação que faleceu.

É trágico, sobretudo porque acredito que ainda gostam um do outro. É duplamente trágico porque sinto que ainda gosto dela. Mas lá estou outra vez a falar de mim. Mas é que quando os vejo, novamente juntos e, no entanto, tão separados, não consigo deixar de pensar no que me... não, no que nos sucedeu.

Não levei o meu amor tão longe como o Rui o fez, não tive a sua coragem. Não, não estou a ser justo. Nunca tive os meios e quando estava perto de os ter, aí sim, não tive coragem. Fugi. Tive medo de viver um momento como aquele que o meu amigo estava a viver, sem me aperceber que, no fim de contas, era tarde de mais. Fugi do amor e matei-o, ou pelo menos gostaria que assim tivesse sido, mas não sei. No fundo, acho que ainda tenho de viver com o fantasma dessa criança mal-nascida, de uma vida que podia ter sido e não o foi porque tive medo.

Agora vivo com esse fantasma que todos os dias é cada vez mais isso, um fantasma, ténue e vaporoso, cada vez mais sem substância, sem cor, sem cheiro, porque as memórias vão perdendo o seu perfume. Mas como as flores secas, ainda tropeçamos nelas quando folheamos as páginas de um livro antigo. De memórias.

Sim, ainda a encontro por aí, num carro que passa, num amigo comum, numa qualquer alusão ao que faz, a quem é, ao que podia ter sido. Vejo-a nos caminhos que trilhámos juntos, nos locais que conhecemos, em tudo o que fizemos, e, muito mais, no que não.

Não, não tenho um quadro de ponto cruz. Só mesmo a cruz.

sexta-feira, agosto 06, 2004

Tigres e Leões

A Natureza é a melhor cartilha que o divino professor nos deixou. Está repleta de exemplos e sábias alegorias sobre a melhor maneira de nós, macacos pelados, conduzirmos as nossas vidas.

Hoje gostaria de vos falar sobre tigres e leões. Os primeiros levam vidas solitárias, camuflados entre a densa folhagem do jangal, usando as riscas que lhes decoram o dorso como sombras ou sulcos de escuridão.

Os outros, os "reis" da selva, vivem rodeados de um harém de fêmeas que caçam para eles, os alimentam e lhes parem a descendência. Indolentes, só têm duas funções: defender o território e espalhar a semente.

Solitários e gregários, tigres e leões.

Crises

Uma cara amiga "acusou-me" de estar a atravessar a "crise dos 30". Esclareço: não sou um homem de modas; não de moda, que até aprecio enquanto arte, mas de modas. E a tal crise dos 30 cai no patamar das questões mais prementes que afligem a geração dos filhos de Abril, e como tal...é moda.

Outro esclarecimento: não é a crise dos 30, mas o fim das crises. Passei pela crise dos 6, a crise dos 10, 11, 12, e 13, prossegui com crises até aos 18, depois tive a crise dos 21 e, provavelmente a mais grave, a dos 25. Depois, foi o arrastar de uma pequena crise cozida em lume brando, com pequenos picos de forma, até aos 29. Agora estamos a falar, finalmente, do fim da crise.

Ou seja, último esclarecimento: Minha cara, não é a crise dos 30, é o fim do túnel, o fim da crise em letra grande. Existe apenas o tal inconveniente: sem passado para me desculpar tenho que começar a assumir os meus erros pelo que são.

Chama-se crescer.


quinta-feira, agosto 05, 2004

Calor

Odeio o calor pegajoso-tropical que me cerca como um muco asfixiante. O mundo parece estar em modo "slow motion"; a água que de cinco em cinco minutos pulverizo na cara evapora quase imediatamente como se tivesse sido vertida em cima de uma chapa quente. Não consigo respirar, a garganta envolvida pelas garras de um urso.

Não fui feito para isto. A cegonha que me trouxe via Paris enganou-se rotundamente ou então foi abatida por um qualquer caçador "tuga" e largou a preciosa carga (leia-se eu mesmo) nos braços de minha mãe. Devia ter nascido na Suécia, cidadão de primeiro mundo e, mais importante, no fresco e retemperador clima nórdico, com verões curtos a vinte e tal graus.

quarta-feira, agosto 04, 2004

Um alegre funeral

Após anos de tentativas falhadas, chegou a hora do funeral. Finalmente vou matar o Carlos. Aquele que durante quase trinta anos deambulou nas trincheiras de uma existência mal vivida vai morrer. Há anos que tento, mas faltava-me a bala de prata, a estaca, o interruptor. Mas agora, quando pousei o corpo de Carlos na nova cama de Carlos, na nova casa de Carlos, percebi que já tenho a arma na mão e basta apertar o gatilho.

Assim, quando chegar a primeira noite, um Carlos vai-se deitar e um outro Carlos se levantará. Será, como diz a letra de Sérgio Godinho, "o primeiro dia do resto da tua vida". Vai ser muito duro matar Carlos, afinal são já quase três décadas de um matrimónio forçado, mas o mais difícil será viver sem desculpas.

Carlos sem Carlos terá de começar do zero. Chegou a hora de reinventar Carlos. Que a nova criança seja feliz.

terça-feira, agosto 03, 2004

Farto!!!

Como costuma dizer um caro amigo, "Estou que nem posso!" Está um calor impressionante, tenho uma porcaria de um texto de 2 mil caracteres para esgalhar, e não tenho qualquer paciência para sequer começar. Não consigo arranjar uma forma de entrar no tema; para todos os efeitos, estou a sofrer de impotência literária. Eu não sirvoi para isto. Não sou uma máquina que debita um texto quando é preciso. "I'm not a number, I'm a man!!"

Uma outra amiga dizia-me em tempos que não me via como jornalista, precisamente, porque não me via capaz de escrever a metro e a toque de caixa. Raios parta se ela não tinha razão!

Mas como ainda não tenho um dedo mínimo de escritor tenho que me prostituir assim.