quarta-feira, novembro 02, 2005

Amena cavaqueira

Era uma vez um país que adorava ditadores. Amou um durante 40 anos e teve que esperar que ele caísse de podre para largar cravos nas ruas. O povo desesperou pelo seu regresso durante vinte anos e fizeram-lhe a vontade. O ditador regressou, não numa manhã de nevoeiro, nem do Norte de África. Veio do Algarve, a fazer a rodagem do carro novo até à Figueira da Foz. Aí nasceu o rebento laranja podre e o povo rejubilou.

O ditador reinou durante quase uma década, encheu o país de cimento e de elefantes brancos, mas também apodreceu no lugar. Um punhado de resistentes veio para a rua gritar. Também lá estive a gritar contra uma prova fascista, outros foram para a ponte e o país abanou a laranjeira e a coisa caiu, mais uma vez de podre. Com um tabú pelo meio. O ditador tentou regressar mas o povo não deixou e ele foi para a caverna, esperar.

O século virou, outros poderes subiram à cadeira de onde o primeiro ditador tinha caído. Os homens do governo eram outros, a cor também era outra, mas quem manda são sempre os mesmos.

Agora, o ditador que estava escondido na caverna quer voltar. E o povo, saudosista dos ditadores, parece disposto a aceitar o chicote. Contra ele levanta-se um rei velho, um poeta, um operário e um professor que falça muito alto.

Não aparece ninguém para matar o dragão e a cavaqueira continua, amena, para mais um regresso do ditador. E não há cadeira que nos salve.