segunda-feira, novembro 27, 2006

Não entendo

Lembro-me da primeira vez que, de facto, reparei no André. Foi nos primeiros tempos na redacção do Record, eu estava a fazer a reportagem de um jogo de hóquei em patins no antigo Pavilhão da Luz; há uma jogada polémica e toda a gente no público se levanta a gritar com o árbitro. Não sei bem porquê o meu olhar demorou um pouco tempo mais no André, irado, aos gritos, figura familiar mas ao mesmo tempo bem diversa daquela que já tinha visto sentado ao computador na secção "online", naquele tempo bem mais povoada.

No dia seguinte não perdi tempo e fui meter-me com ele: "Com que então o 'nosso' Benfica, hein...?" Foi o princípio de uma sincera amizade.

O André era um tipo tímido mas afável, um coração grande que apesar dos anos que partilhámos a trabalhar na mesma casa, apesar das conversas que tínhamos, da cumplicidade que floresceu com o tempo e que começou com uma conversa sobre o "nosso" Benfica, nunca cheguei a conhecer bem. Não tivemos tempo.

E tu, meu querido César? Que raio de filme absurdo é este? Não é um daqueles milhares que tu, apaixonado pelo cinema, viste, pois não?

Trabalhámos no mesmo jornal durante 7 anos, foste das primeiras pessas que conheci no Record, e desde há cerca de um ano e meio que estávamos (literalmente) lado a lado no mesmo projecto, a DEZ, a nossa DEZ. E, sabes, nunca me cansei de admirar a tua imaginação delirante, a tua coragem em assumir projectos que os mais ortodoxos apelidavam de "maluquices". Eram "maluquices", sim, de um maluco genial, daquele género de que o mundo precisa cada vez mais.

Estive no teu último aniversário. 34 anos. Só. E foi mesmo o teu último aniversário. Foi ali, naquele indiano do Bairro Alto que conhecias tão bem, trocando impressões sobre viagens com o dono, teu amigo. Falavas da Índia e do projecto de voltar à Patagónia. Bolas, amigo, cheguei a dizer-te que se estivesse de férias agora até ia contigo. O que são as coisas, amigo, o que são as coisas...

Estou aqui sentado, ao lado do teu lugar vazio, sem conseguir conceber que nunca mais verei a tua figura esguia debruçada no computador, o teu sorriso tranquilo ou aquele tique que tinhas com as mãos quando estavas a pensar em mais algums ideia brilhante ou, simplesmente, a tentar soltar a tensão com que, todos os dias, nos batemos.

Já perdi muita gemte querida, demais para uma vida só. Devia ser proibido. Só que custa muito, custa muito mais porque me faz perguntar o que é que Ele estava a fazer, o que é que Ele estava a pensar? Quando levou o meu irmão, quando vos levou a vocês, amigos. Todos jovens, todos cheios de vontade de viver.

No dia a seguir ao vosso acidente, também no Chile, Augusto Pinochet celebrava o 91º aniversário.

Eu estive no teu último, César. Não sabia, mas era mesmo o teu último. Tinhas só 34.

Não entendo. Perdoa-me mas não Te entendo.