domingo, janeiro 13, 2008

A Caparica não é longe...



Poderá andar-se metido num amor a contragosto?
Claro que sim.

Um amor a contragosto é um amor em relação ao qual o sujeito que o sofre /palpita que está numa perspectiva catastrófica e que, em princípio, nada poderá fazer para evitar a catástrofe, que esta o espera no fim de tudo e se prepara para o mastigar sem contemplações, reduzindo-o a cisco.

" Reconquista-me!", diz o objecto desse amor a contragosto, entremostrando-se e furtando-se logo de seguida. E o sofrente do amor a contragosto compraz-se (afinal com imenso gosto!) em esfalfar-se e em arruinar-se nessa descida aos inferninhos do amor infeliz.

Como se chega- e para quê- a uma situação destas?
Por muitos caminhos e para muitos fins. Mas o que importa aqui dizer é que o amor a contragosto não é um amor partilhado. O sofrente nunca é igual a quem lhe inflige o sofrimento. É mais. Mais sentimento, mais tormento.

" Mas que figurões!", dirão as rãs que, na circunstância, sempre se juntam para fazer coro. É que eles- o sofrente e o que faz sofrer- não sabem que estão, na sua luta (assalto e defesa), a dar-se em espectáculo aos que, e ainda por cima isentos, assistem a essa terrível devoração afectiva.

De um amor a contragosto dificilmente se sai. É como um vício arraigado, é como um redemoinho que puxa irresistivelmente para baixo.

Talvez a única maneira, como ensinam certos nadadores experimentados em águas traiçoeiras, seja o sofrente deixar-se ir até ao fundo e aí, com um golpe rápido de braços e de pernas, sair do medonho vórtice. Então, poderá voltar à superfície, nadar para terra, sentar-se na areia e dizer:
- Olha do que me safei!- O mundo recobrará cor e significado.

Quem tiver na situação de sofrente, metido num amor a contragosto, pode treinar esse processo de salvação. A Caparica não é longe.

Alexandre O'Neill ( Uma coisa em forma de assim)

terça-feira, janeiro 08, 2008

Medo




Nunca primei pela coragem. Sou demasiado inteligente para ser corajoso. É-se herói muito mais facilmente quando se é, se não burro, pelo menos, inconsciente.

Nunca fui (assim tão) burro e fui atirado para as águas frias da consciência muito cedo.

A morte do meu irmão, a dois dias de eu fazer 25 anos, foi um episódio (re)fundador: ensinou-me o valor da vida e mostrou-me que morrer é fácil. Demasiado fácil.

A maior parte das pessoas passa pela maior parte da vida abençoado com a ignorância deste facto.

Desde que me dediquei à nobre arte de descer ondas (é a única referência), confrontei-me algumas vezes com situações limite. Houve mesmo uma vez em que pensei, mesmo, que ia morrer. O facto de ter tido tempo para pensar nisso debaixo de água diz muita coisa...

O medo pesa. Duplamente. Porque nos impele a viver mas, ao mesmo tempo, impede-nos de viver irreflectida e intensamente.

E esse é o seu paradoxo.

A vida seria muito mais simples se eu fosse burro.