quarta-feira, julho 23, 2008

Luxos


Perder. Ora aí está um verbo que todos conhecemos. Uns mais do que outros, mas todos sem excepção. Porque perdemos sempre mais do que ganhamos e porque ganhar implica, a prazo, que vamos perder.

Nos últimos dois dias tenho andado a pensar em perdas. Não só nas minhas, para variar, mas nas de um amigo-irmão.

Colocando a coisa de forma mais factual: o pai desse meu amigo anunciou-lhe que ia vender a casa de férias da família. De facto, não parece uma tragédia, pois não? Pois, mas apenas os míopes e os mancos se ficam pelos factos.

A "casa de férias" a que o meu amigo (que sofre de um infeliz complexo de esquerda anti-materialista, desculpável pois ainda é jovem), se refere de quando em quando como "um luxo" é também o seu assumido refúgio.

Não fica num desses locais de férias balneares da moda. Não, a água é fria, o mar é bravo, o clima ventoso e o local não tem hóteis de luxo e o jet-set anda em barcos de pesca ou pedaços de fibra e esponja em cima das ondas.

Mas é por isso mesmo que é o seu refúgio. Porque é um sítio pequeno encravado num local onde tudo é grande. A começar pelo mar. O mar está em todo o lado. Nas escarpas da terra e da alma das gentes, duras e generosas ao mesmo tempo.

O meu amigo cresceu ali. E ele sabe disso. É ali que respira, que é. Que se permite baixar a guarda e realmente Ser.

E querem tirar-lhe isso. E ele está a sofrer. E apesar disso, às vezes, diz que vai perder "um luxo", e di-lo com o tal complexo esquerdista anti-materialista.

É parvo.

Porque o luxo é viver. Sem luxo, não se vive, sobrevive-se.

I'm easily found

quarta-feira, julho 16, 2008

Como Hilgenbrinck





Como quem?...

Hilgenbrinck. O nome é complicado mas a história simples. Chase Hilgenbrinck é um futebolista norte-americano (futebolista de "soccer" como dizem os seus compatriotas), que pendurou as botas para envergar a batina. Sim, a de padre.

Uma história que me fez ressoar ecos antigos. Também eu, em tenpos, pensei em ir servir o Senhor. Sim, agora dá-me vontade de rir e a quem me conhece bem também deve fazer umas cócegas intelectuais. Mas nem tanto assim...

Fui um puto sensível e introvertido. Solitário e aflito ao ponto de me virar para algo que me transcendesse, a mim e à cortante realidade que me magoava todos os dias. O alcoolismo, as drogas, a violência, a mentira e a morte. Conheci-os a todos demasiado cedo e não queria acreditar que a vida se resumisse a isto. Tinha esperança.

Não sei onde é que ouvi falar de Deus pela primeira vez, se nos livros, se através da minha avó Deolinda, alentejana analfabeta, crente até à beatice mas generosa como ninguém. Foi ela que me ensinou a rezar todas as noites antes de dormir, hábito que me acompanha até hoje. Não sei porquê, mas faz sentido pedir a protecção dos que nos são queridos antes de dormir.

Pois, com tudo isto, lembro-me que, a dada altura, num acesso de poesia trágica (outro tique que me acompanha até hoje mas, felizmente, cada vez mais raro) cheguei a pensar em ir para padre. Tinha para aí 10 anos e ainda não percebia o que estava a perder. Não que a fome pelo sexo oposto ainda não estivesse lá, mas estava difusa e pouco focada. Pensava que era algo que não me incomodaria muito, afinal, até à preparatória tinha tido pouco ou nenhum contacto com raparigas da minha idade e não estava a ver o que ia perder.

Felizmente, acordei a tempo e percebi que o meu caminho não seria esse. Desde aí, a minha religiosidade não diminuiu, nem mesmo naquele dia em que, justificadamente, poderia ter pensado que Ele não existia. Se calhar até pensei, mas como não me lembro de muita coisa desse dia e de alguns que lhe sucederam...

Não diminuiu mas transformou-se. Inexoravelmente. Hoje olho para a Igreja católica como olhava para os regimes comunistas: como um grande dinossauro branco e dourado. Inútil e ultrapassada. Mas a minha religiosidade nunca foi formal; contam-se pelos dedos de uma mão as vezes que entrei numa Igreja. E quase nunca à procura Dele. Não, isso eu encontrava mais facilmente no escuro. Aquela ausência de luz que se infiltrava na minha meninice e adolescência. Mas era uma experiência íntima, familiar, de filho para o pai que, na prática, não tinha. Deus era o cúmplice e o amigo que me amparava e ajudava no meio daquilo tudo.

Sim, continuo religioso. Acredito na transcendência, mas não a procuro nos tijolos do Vaticano nem em qualquer outro templo. Nem sequer nas ondas que, para mim, são de uma arquitectura superior. Procuro em todo o lado. Dentro e fora de mim. Quando rezo por aqueles que amo.

Não, não dava para padre. Tenho um coração diferente.

segunda-feira, julho 07, 2008

Começar a cura