sábado, outubro 02, 2004

O melhor e o pior

Cheguei há pouco tempo de Atenas, palco de sonho e pesadelo para aquele que foi, talvez, o pior e o melhor serviço da minha vida.

Para a história, este evento vai ficar como os XII Jogos Paralímpicos. Para mim, todavia, será bem mais que isso, foi um abrir de olhos.

Dificilmente esquecerei a incompetência dos voluntários que supostamente deveriam ajudar o público e os jornalistas. A sua obtusa teimosia em cumprir ordens até ao paroxismo insensato e ilógico serve como uma lição do que acontece a quem segue ordens e impõe regras sem a clarividência para as contornar que é como quem diz, afinal, sem capacidade para as fazer exercer de maneira inteligente.

Dificilmente esquecerei a colossal indigestão de 10 dias consecutivos a almoçar cachorros quentes e Coca-Cola.

Dificilmente esquecerei as caminhadas quilométricas entre piscina e estádio, agincanadas pelas muitas barreiras de metal que nunca nos deixavam esquecer que foram os gregos os inventores do labirinto.

Dificilmente esquecerei o cansaço pelo abuso de trabalho e as quatro ou cinco horas mal dormidas por noite.

Dificilmente esquecerei o choque inicial de ver pessoas sem braços, sem pernas, sem olhos, competirem e superarem. A si, aos outros, ao mundo, e à minha pena.

Dificilmente esquecerei o aperto na garganta ao ver João Martins debater-se nervosamente na sua pprimeira prova paralímpica, quase que afogando-se em nervos e água.

Dificilmente também esquecerei o outro aperto e a lágrima que não me dei ao trabalho de evitar quando ele ganhou a primeira medalha. Nem tão pouco esquecerei a leve calma que me invadiu quando desci à zona mista para o cumprimentar.

Dificilmente esquecerei os doces olhos de Susana Barroso e a revolta por ter aquele sorriso belo e triste cada vez mais ligado a uma cadeira de rodas.

Dificilmente esquecerei a força, a alegria e o respeito de Carlos Lopes, um atleta invisual primo do célebre maratonista mas muito mais campeão, pela vida, e pela personalidade e desportivismo.

Impossível será esquecer a paixão com que eu e os meus colegas da Comunicação Social nos entregámos a este evento e aos atletas, técnicos, dirigentes e outros protagonistas.

A todos eles levanto uma "Mythos" dourada, amarga e gelada. Um grande bem haja. Em Atenas fomos todos campeões.