quinta-feira, março 31, 2005

Vida

O direito à vida. Eis um conceito mais uma vez em voga.

Em Portugal, discute-se o aborto. Uma questão da qual se diz ser fracturante. Porque todos têm uma posição. Porque ninguém muda de campo. Porque todos acham que têm razão.

E como todos têm uma posição, eu tenho a minha: sou a favor da despenalização do aborto.

Porque sou contra a hipocrisia.

Porque sou contra a injustiça que a actual lei cultiva.

Porque não suporto as senhoras católicas que aparecem nas revistas, vestidas pelas melhores casas francesas e italianas, a pregar sentenças sobre
vidas que nascem ou se perdem num mundo do qual elas só conhecem através dos relatos das empregadas.

Porque há mulheres que morrem ou ficam mutiladas.

Porque há mulheres que têm os corpos invadidos por curiosos armados de instrumentos mal esterilizados, escondidas em quartos sujos.

Porque a sociedade não as deixa sair desses mesmos quartos sujos, penalizando-as, castigando-as por algo a que são forçadas pela ignorância, pela pobreza.

Direito à vida. E Vida será o mesmo que existência? Penso que seja algo mais que isso.

Direito à vida. Acabo de ver o presidente de uma nação responsável por milhares de mortos no Iraque insurgir-se contra a libertação do corpo de uma mulher que há muito havia partido. Como se pode ser tão flexível sobre algo. Só quem não tem espinha o pode fazer.

Direito à vida. Adoro crianças e adoraria, um dia, ser pai. Mas isso tem algo a ver? Só para os ignorantes, os hipócritas ou os burros como George W. Bush.

quarta-feira, março 30, 2005

Escravatura e máscaras de argila

Descansem as mulheres. A igualdade chegou. A parte final do século XIX e todo o século passado foram feitos pela luta das mulheres pela igualdade. Hoje, finalmente, a guerra está a ser ganha.

A ideia bateu-me como um martelo quando dei por mim a ler uma série de folhetos subordinados ao tema da cosmética masculina. Biotherme, Nickel, Lab Series, Clarins, Shiseido, enfim, uma bateria de nomes que entram assim de rompante no meu quotidiano. Eles são os esfoliantes, os hidratantes, os anti-rugas, os cremes de dia, os cremes de noite, e, a minha favorita, a máscara de argila.

Agora sim, estou-me a ver a aspirar a casa, de roupão, num sábado de manhã e com uma máscara de argila no focinho. Só me lembro do teledisco dos Queen.

É verdade que a necessidade é a mãe da invenção, mas o que se passa com este fenómeno é a criação de necessidades. Que homem (ou mulher) precisa de tanta coisa para se sentir bem e saudável? Já para não falar na tanga dos cremes para "adelgaçar a cintura". Pelo amor de Deus! Passei anos a gozar com os cremes anti-celulite das mulheres, um mito para obrigar as senhoras a gastar dinheiro, sem qualquer retorno. E agora querem impingir-nos essas coisas? Valha-nos Deus!

Bem, ao cabo de tanta leitura, fiquei na mesma. O problema é que, de manhã, quando desço no elevador, olho para o espelho e dou por mim a olhar para as linhas dos cantos dos olhos.

Enfim, como as gajas.

domingo, março 20, 2005

Sexo com uma lutadora de sumo

Antes que alguém queira corrigir, eu antecipo: o sumo é só para homens. E ainda bem.

Mas eu explico. À beira dos 30 anos comprei uma prancha. Ontem, na companhia de dois amigos fiz-me ao mar em Carcavelos. Entrei com alguma relutância, a água não é das mais limpas. Mas entrei.

Depois de alguma luta para passar a rebentação, habitual em quem ainda não domina a técnica de "mergulho de pato" e que, portanto, é sistematicamente empurrado pela rebentação de volta à praia, tive a minha recompensa. O mar estava pintado daquele verde-cinza profundo que oscila até ao azul-cobalto. As ondas rareavam mas eram cheias. E algumas, de quando em quando, eram mesmo poderosas.

Estava a falar com um dos meus amigos quando fui surpreendido por uma dessas raras preciosidades: uma parede com franja branca de espuma e uma boca cavernosa. Disse "até já" aos meus parceiros e comecei a remar. A sensação foi a do costume: incrível.

Uma força viva e imensa que pega em nós como um palito de gelado. Mas errei. A trajectória não foi a melhor e passei do topo do edífício para a barriga do monstro. Fui engolido. A prancha puxava para um lado, enquanto as pernas eram empurradas em direcções opostas, dobradas em ângulos impossíveis.

Felizmente, sempre me senti à vontade na água e não entro em pânico. Basta suster o fôlego e esperar que o urso verde se canse de brincar connosco. Subi para respirar e vi que estava à beira da praia. A sensação é de exaustão. Vista "a posteriori" é como fazer amor com uma lutadora de sumo: ora estás em cima e seguro, ou estás dentro e debaixo, quase sufocado naquela enorme massa.

Ah, sim, voltei a remar de volta mas ontem não voltei a apanhar outra onda assim.

terça-feira, março 08, 2005

Dias

Dia da Mulher. Sinto-me na obrigação de sublinhar que nada me move contra as mulheres. Bem pelo contrário.

Aliás, é precisamente por ser a favor das mulheres que me quero insurgir contra o "Dia da Mulher". Depois do dia da árvore, do dia dos avós, do dia da criança, do dia do velho, do dia dos jardineiros e do dia dos comedores de "sushi", eis o dia da mulher.

Essa coisa dos dias de qualquer coisa tem graça e fundamento quando falamos de minorias, o que não é o caso. Que eu saiba, segundo os números mais recentes, as mulheres estão mesmo em maioria.

A existência de um "Dia da Mulher" faz tanto sentido como a de um "Dia do Homem". E não há, pois não?

Enfim, hoje deu-me para aqui, o que fazer. Mas será só a mim que isto faz confusão?