sexta-feira, julho 22, 2005

Reinventar

Estava eu a fazer a habitual ronda pelos blogues dos meus correlegionários quando dei com uma interessante reflexão do meu amigo Hugo Alves (alcateialouca.blogs.sapo.pt)

Primeiro pensei ques estivesse a falar de engenharia genética e reprodução assistida ou algo da área, já que estava a falar de "clones".

Como achei que era um tema pouco "huguesco", perseverei na leitura e acabei com as dúvidas: o meu amigo estava a passar uma sentença sobre as questões do crescimento.

Não sei se ele sabia sequer que era de crescimento que se tratava o texto. Acho que ele até suspeitava, já que fez questão de o negar algumas vezes.

Que não, que não era contra a evolução, que não era contra o crescimento, que não era disso. Pois, mas só é.

O meu amigo diz que não percebe porque é que as pessoas que ele conheceu em tempos estão tão diferentes. Que já não as reconhece. E que por causa disso estarão, necessariamente, piores.

Ora essa amigo! Como acontece na maior parte das vezes, tenho de discordar.

Crescer é evoluir, não de uma forma suave e continuada, mas através de rupturas.

Como escrevi num "post" anterior, e que, suspeito, tem as mesmas raízes do texto do meu amigo, "crescer é violar". Todos crescemos à custa do nosso passado. Todos matamos o pai (ou a mãe, como ele diz) para crescer, todos rompemos com a pele antiga para crescer.

É claro que há quem tente manter as coisas inalteradas, mas é como agarrar areia da praia: mais tarde ou mais cedo, ela escorre pelos dedos e as mãos ficam vazias.

Também tenho nostalgia, é óbvio. Até porque, permitam-me a pretensão, já perdi mais do que a maior parte das pessoas. Porque a vida me fez perder, porque me foi roubado ou até porque, pura e simplesmente, abri mão.

O universo é feito de mudança. Nem sequer o tempo ou o espaço são constantes. Como é que alguém pode ter a pretensão de o ser?

Ok, podem tentar, mas correm o risco de parecer inadequados, um pouco ridículos ou pior.

Agora podia dizer que os dinossauros desapareceram porque não evoluíram. Mas a verdade é que sobreviveram: são aves. Reinventar, amigo. Crescer é reinventar, mesmo que à custa do que fomos.

quinta-feira, julho 21, 2005

Grande Bruce

DARKNESS ON THE EDGE OF TOWN

They're still racing out at the Trestles
But that blood it never burned in her veins
Now I hear she's got a house up in Fairview
And a style she's trying to maintain
Well if she wants to see me
You can tell her that I'm easily found
Tell her there's a spot out `neath Abram's Bridge
And tell her there's a darkness on the edge of town

Everybody's got a secret Sonny
Something that they just can't face
Some folks spend their whole lives trying to keep it
They carry it with them every step that they take
Till some day they just cut it loose
Cut it loose or let it drag `em down
Where no one asks any questions
Or looks too long in your face
In the darkness on the edge of town

Some folks are born into a good life
Other folks get it anyway anyhow
I lost my money and I lost my wife
Them things don't seem to matter much to me now
Tonight I'll be on that hill `cause I can't stop
I'll be on that hill with everything I got
Lives on the line where dreams are found and lost
I'll be there on time and I'll pay the cost
For wanting things that can only be found
In the darkness on the edge of town

quarta-feira, julho 20, 2005

Nú com a mão no bolso

A liberdade é um reino vasto, com muitas quintas. A minha é recém-adquirida: andar nú em casa.

Não há sensação melhor que andar à vontade dentro do meu próprio domínio completamente livre dos empecilhos têxteis. É claro que gosto de roupa e prezo sobremaneira a sua protecção e a enorme possibilidade de expressão que esta nos dá. Mas andar nú faz-nos sentir mais puros e em contacto com a nossa verdadeira Natureza. Ok, e há a insubstituível sensação da aragem na genitália.

Pode parecer um disparate mas depois de viver em casa da mãe até aos 30 anos, com a privacidade obviamente limitada, não há coisa melhor do que poder usufruir deste pequeno grande prazer sem correr o risco de chocar o olhar materno com as (evidentes) alterações que este corpinho sofreu desde que a senhora nos expeliu para o frio do extra-útero.

Mas, e há sempre um "mas". Além de gostar de andar nú, também gosto de ter as janelas abertas. E apesar de não ser um gajo friorento e de estarmos no Verão, acabei por pagar o preço de dormir com o meu fato de nascimento: uma brutal gripe.

Já estou há perto de uma semana a acordar com a garganta dorida, o nariz permanentemente entupido e a voz de uma octogenária cantora de cabaré berlinense reformada.

Estou um bocado farto, mas há quem diga que a maior parte dos prazeres pagam-se.

Pelos vistos, até aqueles que são gozados a sós.





Animais

Essa coisa de ser humano tem muito que se lhe diga. Crescemos a ouvir grandes lições sobre a superioridade moral do ser humano, rei e senhor do planeta e de todas as bestas, mas de vez em quando há coisas...

"Na madrugada de 14 de Julho, alguém entrou nas instalações do canil-gatil de Évora presume-se que por cima da vedação, escolheu dois cães tidos como dos mais agressivos para os gatos, libertou-os das coleiras que os prendiam e abriu a entrada do gatil.
Depois, os cães foram largados e seguiu-se uma horrorosa chacina.
Quando, pelas nove horas da manhã, o tratador dos animais Marco Rebocho chegou às instalações, deparou-se com uma imagem indescritível. Ao ataque só sobreviveram quatro gatas adultas e uma cria. Pelo chão ficaram espalhados pedaços de 15 gatos adultos e crias.
Um dos dois cães envolvidos na macabra luta estava morto de fadiga. Mas outros quatro canídeos não envolvidos na matança apresentaram-se bastante debilitados e acabaram por morrer, aparentemente vítimas de envenenamento..."

in Público de quarta-feira, dia 20 de Julho, por Carlos Dias

Afinal, quem são as bestas?

terça-feira, julho 19, 2005

Cristais de açúcar

Dias de inocência
de açucar polvilhados

Sorrisos cúmplices
de ignorância maquilhados

Abraços fraternos
corações agrilhoados

Crescer é violar

sexta-feira, julho 15, 2005

Dez para as nove e meia

Rasgas o peito e a vaidade
Vestes a fria pele do lagarto
da cor do desgosto
mal curado
As manhãs da vida parecem distantes
e o fim ao virar de uma esquina rugosa
que acena desbragada
dos confins da depressão

Olhas para os espelhos
que quebraste
para as portas que não fechaste
e aumenta a confusão
Os métodos que não seguiste
perseguem-te e tentam
marcar na tua nova pele de
lagarto-da-cor-do-desgosto
o cunho da normalidade

A normal normalidade normalizadora
que é pior que nada, mas o próprio esmagador
nada

Trânsito, filhos, café instantâneo
torradas com margarina fina
que delícia
E os ombros que descaem
E os olhos que embaciam
prisioneiros
do nevoeiro sujo
das palavras sujas
desta vida suja
em que afocinhas
e te esfregas

Os lençois suados de lágrimas
e semen que te puxam para baixo
que te seduzem para o escuro
são a doce armadilha, o intenso mosto
a toca de um homem com pele de lagarto
da cor do desgosto

segunda-feira, julho 11, 2005

(Des)equilíbrios

As férias acabaram. Uma constatação por demais evidente quando te vês reintegrado na monótona procissão rodoviária até à capital.

Enquanto percorria a Segunda Circular, instalado na minha modesta carripana, fui fazendo contas às tarefas que tinha pela frente: esgalhar um artigo sobre a campanha portuguesa de qualificação para o Mundial de voleibol; digerir mais algumas ideias de trabalho, limpar a minha caixa de e-mail e, já agora, acabar com o meu blogue.

Pois é. A verdade é que nunca me senti muito à vontade em despir-me em público. Algo que se tem tornado cada vez mais penoso nos últimos tempos.

Também nunca fui gajo para perder o meu precioso tempo a dedilhar banalidades em cima de generalidades. Se, aqui e ali, o fiz o peço desculpa.

E se digo que me tenho despido em público, a verdade é que este "público" são amigos, conhecidos e alguns estranhos.

O problema é que na vida tudo muda e essas categorias são tudo menos fixas.

Aquele a quem hoje chamas amigo, pode muito bem ser um estranho. Ou então gostarias que fosse. A verdade é que de conhecido, és obrigado a perceber, tem muito pouco.

Tudo isto gira à volta de um conceito escorregadio: o equilíbrio. Palavra que sugere estabilidade, solidez, equidade, a verdade é que, na vida, e no que às pessoas diz respeito, o equilíbrio é tudo menos sólido, mas antes fluido, adaptável.

E é na falta dessa adaptabilidade, que surgem os desequilíbrios. Desequilíbrios de quem não se adapta, de quem não vive bem com a mudança. Porque não tem capacidade, ou coragem, para o fazer.

Confesso que também padeço, por vezes, desse mal. Às vezes desculpo-me com essa deficiência com as circunstâncias atribuladas da minha vida. Mas também quem se pode gabar de ter uma vida fácil? Acho que ninguém.

Assim, bem ou mal, com muitos trambolhões, cabeçadas e hesitações, tiros no pé e muitas segundas oportunidades e ajudas, lá fui levando a água ao meu moinho. Como toda a gente. Ou não?

Uma das razões que me levam a considerar encerrar aqui esta participação virtual, talvez mesmo a mais forte, é perceber que aquilo que deveria ser um espaço de reflexão, de troca de ideias e até, porque não, de tentativas mais ou menos conseguidas de fazer literatura, está a transformar-se numa praça de troca, não de ideias, mas de insultos, de recadinhos (e o diminuitivo refere-se à mesquinhez dos textos e seus autores, e porque não, à menoridade intelectual) e mal destiladas invejas.

Não quero entrar nesse jogo. Não vou entrar nesse jogo. Não tenho feitio nem paciência.

Esta página está com a cabeça no cepo. Como a minha paciência.