domingo, março 23, 2008

Paris:Luce vers Tenebrae



Se não contarmos com as escalas no Charles de Gaulle, esta é a quarta vez que estou em Paris. Paris…
Só o nome faz ressoar uma escala de referências literárias, cinematográficas, plásticas. Como uma escala numa espécie de teclado de piano civilizacional. Porque se Nova Iorque é a Roma da actualidade e Roma é a Roma de sempre... Paris é Paris.
É a cidade com que o Mundo sonha quando sonha. Não são os cafés de esquina -- tão “charmant”, não acha querida? -- não são as lojas, os museus, as pernas das parisienses, emblematicamente quase sempre magras e despidas, mesmo no Inverno (Bem-vindo milagre de nylon, as meias de senhora…)

Não, também não são os monumentos esmagadores, as grandes avenidas ou, por harmonioso contraste, os bairros históricos dos artistas e das prostitutas que os alimentavam e nutriam, sim, que são coisas bem diferentes. Afinal, o seio que beijamos também é a mama que nos dá o leite. É tudo uma questão de perspectiva.

Ah, essas maravilhosas ruelas tão estreitas, recurvas e misteriosas como os caprichos das mulheres. Bem, pelo menos de algumas que conheci…

Não e sim. Paris é tudo isso, mas também é tão mais que isso, bolas.
Paris é sempre a primeira vez que cá passamos. Quando somos jovens, embora já não inocentes. Quando insistimos naquelas parvoíces que se fazem quando vivemos o sonho dos outros: Lanchamos nas esplanadas dos tais cafés de esquina, perdemo-nos em Montparnasse, visitamos a Defence e a Bastilha, Notre Dame, o Quartier Latin e claro, a senhora de toda a cidade, a Torre Eiffel. Lá está ela, ponta-de-lança, literalmente, de uma tecnologia que hoje não é mais que arte em ferro e até romance.

Mas o que não é romance em Paris?

Subimos ao cimo da torre a pé, pelo menos a parte que é permitida sem recorrer ao elevador, entupido por intermináveis filas de turistas americanos e espanhóis e italianos e portugueses e…não, nós? Não, somos jovens, estamos apaixonados e não somos como ninguém, não é?
Lembras-te como chorei quando pensei que o “puto” não ia ver aquilo nunca? Que era dono do Mundo e nunca tinha sequer vindo a Paris? Pensando bem, deve ter sido das últimas vezes que consegui chorar. Já lá vão quase 10 anos. Merda, como o tempo passa.
Menos para Paris. A cidade Luz…pois.
Uma Luz fria como o Inverno que resiste lá fora. Acho que ninguém lhe explicou que aqui em França a Primavera também começa dia 21 de Março.

Nunca fui grande adepto da Luz. Vá, piadas clubísticas aqui não…
A verdade é que a escuridão era mais o meu género. Aquela que me escondia debaixo da cama ou a que vertia para o papel nos meus tempos de adolescente. A idade do armário…pois…sempre achei que devia ser rebaptizada como a idade da gaveta, pelo menos para todos aqueles, e não são assim tão poucos, que guardam papéis rabiscados nas gavetas. Escuras, claro.

Tão escuras como os cabelos da minha mãe. Ela tinha longos cabelos negros que lhe davam pelas costas.
Agora, o cabelo é mais curto e apesar de algum, pouco, esforço, e muita tinta, percebe-se que já estaria raiado de branco. A escuridão agora é lá dentro. Mas não é uma escuridão protectora: é açambarcadora, sufocante, que engoliu a minha mãe com ela. Desde que o “puto” partiu.

Que diabo, quem diria que uma viagem do café para casa, ainda por cima de mota, que é um veículo tão ágil, haveria de demorar 10 anos?

Raios te partam.Tenho saudades.

A verdade é que esta é a minha quarta vez em Paris e percebo que cada vez gosto mais…de Roma. É mais quente, mais aconchegante. E quanto à luz? Os ocres das paredes das casas romanas valem bem as luzes de Paris. A única cor que bate isso é a de Lisboa quando passamos o Tejo de barco. Mas depois chegamos ao Cais do Sodré e o rosa-azul-dourado (à falta de melhor descrição) transforma-se noutros tons bem menos poéticos. Mas, enfim, é o amor-ódio que caracteriza todos os portugueses pelo que é deles.

E eu, em algumas coisas, sou muito português.