quarta-feira, janeiro 14, 2009

O jogo da bola





Não é difícil perceber. O desportista fanático, viciado em ginásios, ex-praticante de desportos de combate, estudioso da nutrição e bodyboarder apaixonado, era o puto gordo lá da rua.

A viagem de memória não tem sido difícil nos últimos dias. O grupo de miúdos amontoados no meio da praceta e dois dos melhores jogadores de bola, os líderes da pandilha, a escolherem as equipas para um dos muitos desafios do fim-de-semana. Primeiro eram escolhidos os mais habilidosos, depois, os que da última vez se tinham portado melhor. E a escolha ia avançando... Eu, o puto gordo já sabia: ou era escolhido para a baliza porque mais ninguém queria desempenhar o ingrato papel ou, pura e simplesmente, como até nem era o dono da bola, ficava de fora.

Doía ficar de fora, assistir à diversão dos outros como se fosse minha. Às vezes, numa demonstração de falta de fair play, simplesmente abandonava a praceta e ia para casa ver as séries da tarde ou ler um livro. Triste.

Sim, doía ficar de fora. Mas o que doía mais era o processo de selecção, o sentimento de inferioridade e rejeição que ficava no final. Um travo amargo que me marcou com raiva e injustiça para a vida.

Afinal, eu sabia que não jogava nada à bola e que era o gordo da rua.

Mas se nunca jogava, nunca ficaria magro nem mais habilidoso. Enfim, vinguei-me mais tarde, mas quase sempre em desportos individuais, vá-se lá perceber porquê.

Mas pensei que a rejeição e o complexo de inferioridade da escolha das equipas ficasse para trás. Enterrada numa infância que será recordada como, juro, muito mais infeliz do que a dos meus filhos.

E, afinal, estava enganado. O sentimento voltou, a escolha voltou. E logo numa área em que sei que, não sendo o mais popular, sou dos mais habilidosos "da minha rua". Não entendo. O jogo da bola está a começar e mesmo que fique de fora, eu vou jogar.

Sozinho, como sempre. Mas este jogo não vou perder. Eu vou mostrar-lhes.