quinta-feira, outubro 05, 2006

A triste sina de uma estrela porno

Nos primeiros anos do nosso périplo por este planeta de loucos, todos enfrentamos um sacramental questionário, atirado por tudo e por todos: começa com o "como te chamas" e passa pelo "quantos anos tens", sendo que nesta fase da conversa o progenitor que nos acompanha estimula-nos a esticar os deditos necessários até cumprir o diminuto total.

Então, dependendo do número de falanges orgulhosamente estendidas, a grande e definidora questão: "O que queres ser quando fores grande?"

Bem, no meu tempo, a malta dizia coisas como bombeiro, futebolista, astronauta, respostas que depois evoluiam para profissões mais consentâneas com as aspirações dos paizinhos: médico, advogado, arquitecto...enfim.

No meu caso, devo dizer que, acreditem ou não, a resposta que me lembro de dar por volta dos 10 anos era "arqueólogo". Coisas de quem lia coisas inadequadas para a idade e não tinha pais que lhe impusessem as suas expectativas.

Mas agora demos um salto até à adolescência. Aquela idade em que vivemos todos sob o efeito de um caldo hormonal que dita todas as acções e pensamentos. Pensamentos?, ok, um pensamento: Sexo (deliberadamente em caixa alta).

Então, se alguém perguntasse ao típico adolescente o que ele queria ser, a resposta seria em 9 de 10 casos: estrela porno.

A lógica era inatacável: o que o adolescente mais desejava era sexo e se havia uma carreira em que lhe pagavam para fazer o que ele mais queria, então, citando o grande Paulo Futre...espectáculo.

Só mais tarde o puto sabia que essa coisa de ser estrela porno não era a melhor profisssão do mundo, longe disso. Implicava "actuar" a pedido, debaixo de luzes sufocantes, em estúdios infectos, com uma câmara quase enfiada no rabo, uma dúzia de espectadores (a equipa técnica) a dar palpites e tudo isto com uma gaja meio pedrada que estava ali a fazer o frete.

Não, não era o que ele esperava.

Passou-se mais ao menos isto comigo. Só que eu realizei o sonho. Não, não me tornei estrela porno. Tornei-me jornalista.
Para quem acha que tem de voltar a ler o texto porque perdeu alguma linha, eu explico:

Quando percebi que não poderia ser professor de filosofia porque não tinha paciência para tirar o curso nem feitio para estar à espera de colocação em Freixo de Espada à Cinta, tive de pensar em alternativas. Então ocorreu-me: que tal ser jornalista, uma profisssão em que te pagam para fazeres algo que adoras, escrever? Pensei que tinha descoberto a pólvora, o crime perfeito.

Pois foi o crime perfeito mas em que a vítima sou eu. Também aqui temos de actuar a pedido, também aqui temos de estar com "actrizes" (temas ou pessoas) que não interessam a ninguém e nos tratam como um meio para chegar a um fim, também aqui o prazer se perde.

Escrever é como fazer amor. Jornalismo é, cada vez mais, pornografia. Ou, a espaços, a mais básica prostituição. Mesmo que aqui e ali tenhamos um orgasmo barato.

Uma triste lição. Só me resta o consolo de uma reforma afortunadamente antecipada. Para breve.