quinta-feira, janeiro 13, 2005

O castigo da normalidade

Não há pena maior, castigo mais duro e condição mais desgraçada que a de ser normal. Infelizmente, parece que é a isso que, cada vez mais, estou fadado.

Subi a encosta da vida convencido que seria algo de extraordinário, que a minha vida seria qualquer coisa de marcante e que pairaria muito acima da mediocridade dos "normais".

Mesmo nas alturas em que todo o ser humano reza para ser o mais igual ao seu vizinho, ostentei as minhas diferenças com orgulho, como se a mera inadaptação fosse uma marca de água da grandiosidade que me esperava ao fundo do túnel.

Entretanto, fiz 30 anos, uma data que sugere balanços. Alguns amigos colocam-me a coisa nestes termos: "Tens casa, carro, dinheiro e um bom emprego e uma miúda que gosta de ti. Porque é que dizes que não és feliz? porque é que dizes que te falta algo? Falta?"

Falta. A diferença. Falta a tal marca de água, falta a chama e a crença de que nasci para ser diferente, superlativo.

Estou cada vez mais normal. Cada vez mais presa da normalidade assassina que esfuma as linhas do rosto e a chama dos olhos e do peito, que torna rombas as facas dos dentes.

Tenho trinta anos. Aos quarenta, o animal ressurge, dizem. Esperemos que o acordar da minha besta não se manifeste pela compra de um descapotável.

2 comentários:

Carla disse...

Não há nada de medíocre na normalidade. Se há coisa que aprendi é que às vezes é preciso mais coragem para ser "normal" que para ser diferente. Porque nos obriga a encarar que não somos nada de mais, nada de especial.
É difícil concluir que não deixaremos marca. Das duas uma: ou fazemos por mudar, ou deixamo-nos marcar por quem consegue fazer a diferença. Ainda assim, acho que podemos ficar sempre a ganhar.
Carla
http://cenasdalua.blogspot.com

Anónimo disse...

Assusta, não é? E aperta. Também me custou muito perceber que já não ia meter a mochila às costas, que não ia conhecer o mundo nem conseguir escapar ao dito curso normal da vida: namorar, casar, ter filhos e netos, comprar casa, carro e ir às compras ao fim-de-semana. Que não ia ser "alguém", que me ia perder no cinzento, que ia vestir o fato e trabalhar num escritório, e que o palco, melhor dizendo, os bastidores não eram meus. Nunca foram.

Mas já não faz sentido "escapar". Encontrei a chama que dizes fazer-te falta e consegui perceber onde estão as minhas diferenças. Pensei que estava conformada mas consegui perceber que desde que esta normalidade não me seja imposta mas sim uma escolha em pleno, que assim consigo viver. E que podes ser sempre diferente nos teus sonhos, nas tuas expectativas e principalmente na forma como te olhas ao espelho. Podes continuar a ser diferente no que decides fazer com a tua vida, na forma de acordares (ou de adormeceres...)e muito nos caminhos que decides percorrer. E assim podes continuar a ser único, especial, diferente. Pelo menos para alguém.

Esperemos todos que a besta não se manifeste... era muito mau sinal!

Nuvem Negra :)